23 de maio de 2011

Salvação é sermos libertos do mal que habita em nós

Praça de São Pedro
Quarta-feira, 18 de maio de 2011

Queridos irmãos e irmãs,
Nas duas Catequeses passadas, refletimos sobre a oração como fenômeno universal, que – ainda que de formas diversas – está presente nas culturas de todos os tempos. Hoje, ao contrário, gostaria de iniciar um percurso bíblico sobre esse tema, que nos guiará para aprofundar o diálogo de aliança entre Deus e o homem que anima a história da salvação, até o cume, à Palavra definitiva que é Jesus Cristo. Esse caminho nos levará a nos determos em alguns importantes textos e figuras paradigmáticas do Antigo e do Novo Testamento. Será Abraão, o grande Patriarca, pai de todos os crentes (cf. Rm 4,11-12.16-17), a oferecer-nos um primeiro exemplo de oração, no episódio de intercessão pelas cidades de Sodoma e Gomorra. E gostaria também de convidar-vos a aproveitar do percurso que faremos nas próximas catequeses para aprender a conhecer mais a Bíblia, que espero que tenhais nas vossas casas, e, durante a semana, dedicar-se a lê-la e meditá-la na oração, para conhecer a maravilhosa história do relacionamento entre Deus e o homem, entre Deus que se comunica a nós e o homem que responde, que reza.
O primeiro texto sobre o qual desejamos refletir encontra-se no capítulo 18 do Livro do Gênesis; narra-se que a malvadeza dos habitantes de Sodoma e Gomorra havia chegado ao seu ápice, tanto que se tornou necessário uma intervenção de Deus para realizar um ato de justiça e parar o mal, destruindo aquelas cidades. É aqui que se insere Abraão com a sua oração de intercessão. Deus decide revelar-lhe aquilo que está para acontecer e lhe faz conhecer a gravidade do mal e as suas terríveis consequências, porque Abraão é o seu eleito, escolhido para se tornar um grande povo e para fazer chegar a bênção divina a todo o mundo. A sua é uma missão de salvação, que deve responder ao pecado que invadiu a realidade do homem; através dele, o Senhor, quis reportar a humanidade à fé, à obediência, à justiça. E agora, esse amigo de Deus abre-se à realidade e à necessidade do mundo, reza por aqueles que estão para ser punidos e pede que sejam salvos.

Abraão compreende imediatamente o problema em toda a sua gravidade, e diz ao Senhor: “Fareis o justo perecer com o ímpio? Talvez haja cinquenta justos na cidade: fá-los-eis perecer? Não perdoaríeis antes a cidade, em atenção aos cinquenta justos que nela se poderiam encontrar? Não, vós não poderíeis agir assim, matando o justo com o ímpio, e tratando o justo como ímpio! Longe de vós tal pensamento! Não exerceria o juiz de toda a terra a justiça?” (vv. 23-25). Com essas palavras, com grande coragem, Abraão coloca diante de Deus a necessidade de evitar uma justiça sumária: se a cidade é culpável, é justo condenar o seu crime e infligir a pena, mas – afirma o grande Patriarca – seria injusto punir de modo indiscriminado todos os habitantes. Se na cidade há alguns inocentes, esses não podem ser tratados como os culpáveis. Deus, que é um juiz justo, não pode agir assim, diz Abraão justamente a Deus.
Se lemos, no entanto, mais atentamente o texto, damo-nos conta de que o pedido de Abraão é ainda mais sério e profundo, porque não se limita a demandar a salvação para os inocentes. Abraão pede o perdão para toda a cidade e o faz apelando à justiça de Deus; diz, de fato, ao Senhor: “Não perdoaríeis antes a cidade, em atenção aos cinquenta justos que nela se poderiam encontrar?” (v. 24b). Assim fazendo, coloca em jogo uma nova ideia de justiça: não aquela que se limita a punir os culpáveis, como fazem os homens, mas uma justiça diferente, divina, que busca o bem e o cria través do perdão que transforma o pecador, converte-o e salva-o. Com a sua oração, portanto, Abraão não invoca uma justiça meramente retributiva, mas uma intervenção de salvação que, tendo em conta os inocentes, liberte da culpa também os ímpios, perdoando-os. O pensamento de Abraão, que parece quase paradoxal, poderia ser sintetizado assim: obviamente não se podem tratar os inocentes como os culpáveis, isso seria injusto, é necessário, ao contrário, tratar os culpáveis como inocentes, colocando em ação uma justiça “superior”, oferecendo a eles uma possibilidade de salvação, porque se os malfeitores aceitam o perdão de Deus e confessam as culpas deixando-se salvar, não continuarão mais a fazer o mal, tornar-se-ão também esses justos, sem mais necessidade de serem punidos.
É esse o pedido de justiça que Abraão expressa na sua intercessão, um pedido que se baseia sobre a certeza de que o Senhor é misericordioso. Abraão não pede a Deus algo contrário à sua essência, bate à porta do coração de Deus conhecendo a sua verdadeira vontade. Certamente Sodoma é uma grande cidade, cinquenta justos parecem pouca coisa, mas a justiça de Deus e o seu perdão não são talvez a manifestação da força do bem, também se parece menor e mais débil que o mal? A destruição de Sodoma devia parar o mal presente na cidade, mas Abraão sabe que Deus tem outros modos e outros meios para colocar obstáculos à difusão do mal. É o perdão que interrompe a espiral do pecado, e Abraão, no seu diálogo com Deus, apela exatamente a isso. E quando o Senhor aceita perdoar a cidade se ali encontrar cinquenta justos, a sua oração de intercessão começa a subir às profundezas da misericórdia divina. Abraão – como recordamos – faz diminuir progressivamente o número dos inocentes necessários para a salvação: se não fossem cinquenta, poderiam bastar quarenta e cinco, e depois sempre mais para baixo até dez, continuando com a sua súplica, que se faz quase ardente na insistência: “talvez lá se encontrem quarenta… trinta… vinte… dez” (cf. vv. 29.30.31.32). E quanto menor torna-se o número, maior revela-se e manifesta-se a misericórdia de Deus, que escuta com paciência a oração, acolhe-a e repete a cada súplica: “perdoarei, …não destruirei, …não o farei” (cf. vv. 26.28.29.30.31.32).
Assim, pela intercessão de Abraão, Sodoma poderá ser salva, se nessa se encontrarem também somente dez inocentes. É esse o poder da oração. Porque através da intercessão, a oração a Deus pela salvação dos outros, manifesta-se e expressa-se o desejo de salvação que Deus nutre sempre pelo homem pecador. O mal, de fato, não pode ser aceito, deve ser assinalado e destruído através da punição: a destruição de Sodoma tinha exatamente essa função. Mas o Senhor não quer a morte do malvado, mas que se converta e viva (cf. Ez 18,23; 33,11); o seu desejo é sempre aquele de perdoar, salvar, dar a vida, transformar o mal em bem. Bem, é exatamente esse o desejo divino que, na oração, torna-se desejo do homem e expressa através de palavras de intercessão. Com a sua súplica, Abraão está emprestando a própria voz, mas também o próprio coração, à vontade divina: o desejo de Deus é misericórdia, amor e vontade de salvação, e esse desejo de Deus encontrou em Abraão e na sua oração a possibilidade de manifestar-se de modo concreto no interior da história dos homens, para estar presente onde há necessidade de graça. Com a voz da sua oração, Abraão está dando voz ao desejo de Deus, que não é aquele de destruir, mas de salvar Sodoma, de dar vida ao pecador convertido.
É isso que o Senhor deseja, e o seu diálogo com Abraão é uma prolongada e inequívoca manifestação do seu amor misericordioso. A necessidade de encontrar homens justos no interior da cidade torna-se sempre menos exigente e, ao final, bastarão dez para salvar a totalidade da população. Por qual motivo Abraão para em dez não é dito no texto. Talvez seja um número que indica um núcleo comunitário mínimo (ainda hoje, dez pessoas são o quórum necessário para a oração pública hebraica). No entanto, trata-se de um número exíguo, uma pequena parcela do bem da qual partir para salvar um grande mal. Mas nem mesmo dez justos se encontravam em Sodoma e Gomorra, e as cidades foram destruídas. Uma destruição paradoxalmente testemunhada como necessária exatamente pela oração de intercessão de Abraão. Porque exatamente aquela oração revelou a vontade salvífica de Deus: o Senhor estava disposto a perdoar, desejava fazê-lo, mas as cidades estavam fechadas em um mal totalizante e paralisante, sem sequer poucos inocentes dos quais partir para transformar o mal em bem. Por que é exatamente esse o caminho da salvação que também Abraão pedia: ser salvos não quer dizer simplesmente escapar da punição, mas ser libertos do mal que em nós habita. Não é o castigo que deve ser eliminado, mas o pecado, aquela recusa de Deus e do amor que traz já em si o castigo. Dirá o profeta Jeremias ao povo rebelde: “Valeu-te este castigo tua malícia, e tuas infidelidades atraíram sobre ti a punição. Sabe, portanto, e vê quanto te foi funesto e amargo abandonar o Senhor teu Deus” (Jer 2,19). É dessa tristeza e amargura que o Senhor quis salvar o homem libertando-o do pecado. Mas essa é uma transformação do interior, uma inclinação para o bem, um início do qual partir para transmutar o mal em bem, o ódio em amor, a vingança em perdão. Por isso os justos devem estar dentro da cidade, e Abraão continuamente repete: “talvez lá se encontrem…”. “Lá”: é dentro da realidade doente que deve estar aquela semente do bem que pode curar e restituir a vida. É uma palavra também a nós: que nas nossas cidades se encontre a semente do bem; que façamos de tudo para que sejam não somente dez os justos, para fazer viver e sobreviver as nossas cidades e para salvar-nos dessa amargura interior que é a ausência de Deus. E na realidade doente de Sodoma e Gomorra aquela semente do bem germe não se encontrava.
Mas a misericórdia de Deus na história do seu povo alarga-se ulteriormente. Se, para salvar Sodoma, serviam dez justos, o profeta Jeremias dirá, em nome do Onipotente, que basta um só justo para salvar Jerusalém: “Percorrei as ruas de Jerusalém, olhai, perguntai; procurai nas praças, vede se nelas encontrais um homem, um só homem que pratique a justiça e que seja leal; então eu perdoarei a cidade” (5,1). O número caiu novamente, a vontade de Deus se mostra ainda maior. No entanto, isso ainda não basta, a superabundante misericórdia de Deus não encontra a resposta de bem que busca, e Jerusalém cai sob o assédio do inimigo. Será preciso que Deus mesmo torne-se aquele justo. E esse é o mistério da Encarnação: para garantir um justo, Ele mesmo de faz homem. O justo sempre estará presente porque é Ele: é preciso, portanto, que Deus mesmo torne-se aquele justo. O infinito e surpreendente amor divino será plenamente manifestado quando o Filho de Deus se fizer homem, o Justo definitivo, o perfeito Inocente, que levará a salvação ao mundo inteiro morrendo na cruz, perdoando e intercedendo por aqueles que “não sabem o que fazem” (Lc 23,34). Então a oração de cada homem encontrará a sua resposta, então toda a nossa intercessão será plenamente atendida.
Queridos irmãos e irmãs, a súplica de Abraão, nosso pai na fé, ensine-nos a abrir sempre mais o coração à misericórdia superabundante de Deus, para que na oração cotidiana saibamos desejar a salvação da humanidade e pedi-la com perseverança e com confiança ao Senhor que é grande no amor. Obrigado.


Ao final da Catequese, o Papa dirigiu aos peregrinos de língua portuguesa a seguinte saudação:

Uma saudação amiga para os fiéis da paróquia da Covilhã e da Diocese de Maringá, para os Irmãos Maristas da província Brasil Centro-Sul e demais peregrinos de língua portuguesa! Convido-vos a aproveitar o percurso que faremos nas próximas catequeses para conhecer melhor a Bíblia, que tendes – penso eu – em casa. Durante a semana, parai um pouco a lê-la e meditá-la na oração para aprenderdes a história maravilhosa da relação entre Deus e o homem: Deus que Se comunica a nós, e nós que Lhe respondemos rezando. Sereis assim uma bênção no meio dos vossos irmãos, como foi Abraão. A Virgem Mãe vos guie e proteja!

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