Este fenômeno é explanado de maneira simples e direta na letra do rock popular: “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”[1]. E ainda muito mais do que isso. O ser humano não se conforma em viver somente para sobreviver, para satisfazer aquilo que é meramente material, biológico. Em seu interior está latente um desejo de exceder o que lhe é apresentado no ordinário de sua existência e materialidade, o que o leva a uma busca incessante de preenchimento, de complementação, de satisfação de uma necessidade que experimenta mesmo sem saber exatamente o que seja. Aspira ao infinito e à felicidade, e dentro de si Deus colocou uma “semente de eternidade, irredutível à só matéria”[2].
Em filosofia, esta questão pode ser esquematizada sob três aspectos: a solução egocêntrica, que focaliza no sujeito que se autotranscende em busca de encontrar a si mesmo e nisso, o sentido para sua existência; a solução filantrópica, que se estende para além do aspecto individual e se centra no aperfeiçoamento da humanidade, buscando na superação do individualismo e egoísmo atingir a felicidade perfeita; e, por fim, a solução teocêntrica, na qual o homem se autotranscende para alcançar a Deus e Nele, o sentido para todas as suas indagações e a meta para sua aspiração incessante por felicidade[3]. De fato, esta última é a que abarca as duas primeiras e a única que não pára nas limitações humanas condicionadas pelo tempo e o espaço, mas se dirige definitivamente para o interior do homem e, ao mesmo tempo, para o infinito.
As duas primeiras soluções (também compreendidas sob a nomenclatura “horizontais”) são incapazes de resolver as aspirações humanas de superação e busca de sentido para sua existência. No processo de autoconhecimento e satisfações pessoais em diversos níveis (de conhecimento, de aquisições materiais, posições sociais, experiências de prazer), pode-se até chegar a uma condição passageira de contentamento, entretanto tudo isso parece não bastar para plenificar a existência humana. Nem mesmo a vivência do aspecto social e a experiência da alegria encontrada mais em dar do que em receber para outros seres humanos são, de per si, suficientes para aplacar a incessante fome e sede humana. Só mesmo quando se une a dimensão vertical esses outros aspectos alcançam sentido verdadeiro para o homem.
É em Deus que o homem consegue escapar à falta de lógica com a qual por vezes se depara em sua experiência de existir. É quando se lança para o alto que o homem se desvia do nada e definitivamente supera todas as contingências que prova em sua caminhada para sua meta: ser feliz de maneira cabal. Por mais que busque, nunca poderá encontrar em si mesmo, no outro, na humanidade e nem em nada material a possibilidade da felicidade plena, que não passa, que não decepciona. Somente no Outro divino isso se torna possível. Na verdade, existe um “desejo de Deus inscrito no coração do homem (…) e somente em Deus o homem há de encontrar a verdade e a felicidade que não cessa de procurar”[4]. É somente nesse encontro com Deus que o ser humano é capacitado para a realização eterna e perfeita de si mesmo[5], conforme ensina também Santo Agostinho quando afirma que fomos feitos para Deus, e nosso coração não descansará enquanto não repousar Nele[6]. É apenas ser feliz que o homem almeja, este é seu objetivo, sua meta, e “este desejo tem origem divina: Deus o colocou no coração do homem, a fim de atraí-lo a Si, pois só Ele pode satisfazê-lo”[7]. E é em seu interior mesmo que encontrará as respostas que busca, pois “Ele não está longe de cada um de nós. Pois Nele vivemos, nos movemos e existimos”[8].
A reflexão sobre essa característica de autotranscedência humana possibilita a quem a faz tomar consciência sobre o modo como se tem passado por essa existência, se se tem sido mero espectro de homem e não realmente um homem verdadeiramente humano, se se tem apenas passado pela vida mas não vivido de fato[9]. Não foi para uma vida animalesca que o homem foi criado por Deus à sua imagem e semelhança, e não foi para a simples sobrevivência que o Verbo se fez carne para abrir as portas da vida divina à humanidade. Jesus veio para que todos tenham vida e vida plena[10], que ultrapassa as barreiras da fragilidade humana, do tempo, do espaço, de tudo o que se inserir na categoria de “criação”. Urge ao homem despertar para o fim para o qual está destinado, a comunhão eterna com Deus, na qual Ele “enxugará toda lágrima de seus olhos e já não haverá morte, nem luto, nem grito, nem dor, porque passou a primeira condição”[11]. Esta comunhão já se faz realidade agora e é ela que o homem busca em sua natureza autotranscendente.
REFERÊNCIAS
BÍBLIA de Jerusalém. Tradução de La Bible de Jérusalem. São Paulo: Paulus, 2002.
MONDIN, Batista. Introdução à filosofia: problemas, sistemas, autores, obras. 17. Ed. São Paulo: Paulus, 2009.
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