10 de julho de 2013

Sobre bolos e sonhos



Tenho para mim que os sofrimentos da presente vida não têm proporção alguma com a glória futura que nos deve ser manifestada. (Rm 8, 18)

Temos aspirações, desejos, necessidades, sonhos! Mas muitas vezes encontramos inúmeros desafios para alcançá-los. Passamos por provações, frustrações, decepções... Queremos para agora, para já! Mas a vida nos faz esperar, esperar e esperar! Tudo isso pode nos causar sofrimentos e desânimo, vem a vontade de desistir de nossos sonhos, nos sentimos sozinhos e cansados... Às vezes não temos retorno nenhum dos nossos esforços! Oramos, pedimos a Deus, mas nossos sonhos não viram realidade! Provavelmente até passe pelas nossas cabeças: será que Deus não está vendo isso? Será que Ele não tem ouvido minhas orações, não tem visto toda a minha luta para alcançar esses meus sonhos?

Eu vejo tudo isso que a gente vem lutando, vem rezando, vem sofrendo em nossas vidas na tentativa de alcançar nossos sonhos como a preparação de um bolo.

Em primeiro lugar vamos atrás da receita, para termos a segurança do que precisamos e como devemos proceder. Na vida em Cristo, nossa “receita” é a Palavra de Deus, a Bíblia e a Tradição, explicadas a nós com segurança pelo Magistério da Igreja. Ali saberemos tudo o que precisamos para fazer nossos sonhos se concretizarem e como devemos agir para tal. Se usarmos outros ingredientes que não estão sendo solicitados ali, ou o colocarmos em medidas diferentes, ou até mesmo não seguimos a ordem sugerida, nosso “bolo” pode não ficar bom, nossos sonhos podem ficar prejudicados não se concretizando conforme a Vontade de Deus!

Com a receita em mãos, temos que adquirir os ingredientes e equipamentos que precisaremos para fazer esse bolo. Na vida espiritual, poderíamos imaginar que os ingredientes indispensáveis para alcançarmos nossos sonhos são os dons do Espírito Santo que, utilizados com consciência, um a um, formam a massa do nosso ser, do nosso agir no mundo, da nossa missão. Os equipamentos que integram e moldam esses dons que afloram em nós são os Sacramentos. Somente por eles podemos vislumbrar nossos sonhos se tornando realidade, conforme os planos de Deus para nossa vida! Com o Batismo recebemos o Espírito Santo em nós e começam a ser gerados seus dons, como sementes. Num processo de maturação, a Crisma faz aflorar os setes dons, como brotos dessas sementes, precisam ser cultivados, pois são nossos ingredientes! Confissão e Eucaristia são o que garantem a vida e a qualidade desses ingredientes de sonhos em nossas vidas! Ordem e o Matrimônio são a potência máxima da concretização dos sonhos, integrando tudo, transformando na prática os dons em vida, em realidade. A unção dos enfermos poderia ser vista como um ajuste nessa massa, se por acaso ela apresentasse alguma necessidade de regulação.

Essas duas etapas costumam ser muito trabalhosas. Não é fácil ter o conhecimento dessa receita nem muito menos segui-la a risca! Os ingredientes são difíceis de conseguir! É preciso buscar, “ralar”, “corre atrás”, se esforçar... Os equipamentos estão sempre à disposição, mas ter “as manhas” de manuseá-los corretamente, fazer bom uso deles, não é tarefa simples! É grande nossa luta para preparar essa massa! Nos esforçamos e fazemos o melhor que podemos para que o bolo saia perfeito! Assim também é grande nossa luta para alcançar nossos sonhos! Ralamos, corremos, batalhamos da melhor forma possível para que eles se tornem realidade! E depois... Bem... E depois? E depois que já fizemos tudo ao nosso alcance para alcançar nossos sonhos?!?

O próximo passo seria o forno! É preciso colocar essa massa no forno para que ela se transforme pela ação do calor! Essa etapa é mais demorada. É nessa etapa que poderíamos nos cansar, nos desmotivar, querer desistir. Por que quando chega esse ponto, tudo o que cabia a nós fazer na busca de alcançar nossos sonhos já foi feito. Tudo o que nos resta é esperar. Sentimo-nos muitas vezes de mãos atadas! Rezamos, clamamos, queremos o resultado, queremos a concretização do nosso sonho... mas existe um tempo para que a massa do bolo asse e este fique pronto! É inútil querer apressar o forno, ou acusar o formo de “fazer corpo mole” para assar! Poderíamos nos sentar em frente ao forno e ficar gritando: me dá meu bolo! Anda! Rápido! Eu quero! Agora! Eu fiz tudo certo, segui a receita, usei os ingredientes e aparelhos corretos, já te dei a massa... AGORA ME DÁ MEU BOLO! Eu preciso do meu bolo! Sonhei tanto com ele!...”. Nada disso apressaria o processo de assar daquela massa pela qual nos esforçamos tanto. Quantas vezes fazemos isso em nossas orações, em nossas partilhas e desabafos! Faz algum sentido esse comportamento?

Duas hipóteses poderiam fazer com que a etapa do forno não chegue ao seu objetivo, ou seja, o bolo fofinho, quentinho e cheiroso: 1. Faltar o gás ou a energia que fornece o calor para assar o bolo; 2. Abrir o forno e tirar de lá a massa que estava assando Na 1ª hipótese eu vejo que esse calor é o próprio Deus que, em sua providência, faz a semente germinar sob a terra, o bebê se desenvolver no ventre de sua mãe, o bolo assar e o sonho se concretizar. Por um motivo ou por outro, acredito que por desígnio de Deus que não nos é dado entender, vez por outra a semente não germina, o bebê para de se desenvolver, o bolo não assa, o sonho não se concretiza. Confiemos em Deus, façamos outras massas, tenhamos outros sonhos! Ele sabe de tudo, Ele nos ama, e sabe o que é melhor para nós! Peguemos outras receitas naquelas fontes que citamos acima, aprimoremos os ingredientes, recorramos aos utensílios de novo, e coloquemos as massas no forno quantas vezes forem necessárias! Os sonhos são o combustível da vida: não podemos abrir mão de sonhar! Não fiquemos chorando sob as massas cruas e soladas da nossa história: sonhemos novos sonhos com confiança em Deus!
Na 2ª hipótese, vejo uma sabotagem que pode ter origem na ação de terceiros ou, pior, a origem pode ser nós mesmos! Se alguém retirar a massa do forno ela não chegará a ser bolo! Enquanto esperamos, precisamos ter cuidado com o forno, não deixar ninguém que não é responsável por nossos sonhos de “butuca”, espiando, vigiando nossos sonhos, a não ser que seja alguém que sabe de todo o trabalho que tivemos para ver esse sonho se realizar, pessoas que queiram o nosso bem, que torcem por nós!  E quantos sonhos nossos são sabotados por nós mesmos?! Por ansiedade, por impaciência, por falta de fé, abrimos o forno, fazemos o bolo “solar”, jogamos o trabalho de tanto tempo fora!... Precisamos ficar de vigília, esperando com paciência, pois o bolo tem seu tempo de assar.

Não acredito em sonhos que se realizam automaticamente, sem luta, sem suor, lágrimas e até sangue. Não acredito em sonhos instantâneos, sem espera, sem sofrer as demoras de Deus! O que eu creio é que quando lutamos, oramos e esperamos: a obra de Deus acontece da melhor forma possível para nós, segundo a Vontade de Dele. Ainda que demore, colheremos os frutos do nosso trabalho, Deus realizará suas obras em nossa vida por sua imensa misericórdia! Eu acredito que mesmo que a gente sofra, isso não é nada comparado ao que Deus reserva para nós! Deus quer realizar nossos sonhos, meu irmão, minha irmã! Ele conta conosco para isso, com nossa colaboração, com nossa fé Nele, mas devemos crer que Ele quer realizar nossos sonhos de uma maneira até muito superior do que sonhamos! E será maravilhoso quando Ele realizar nossos sonhos, com a nossa colaboração!

Agora, mais maravilhoso ainda será quando ELE REALIZAR OS SONHOS DELE A NOSSO RESPEITO! Aí sim, mas do que alcançar nossos sonhos, alcançaremos a FELICIDADE COMPLETA! Afinal, se “os sofrimentos da presente vida não têm proporção alguma com a glória futura que nos deve ser manifestada (Rm 8, 18)”, acredito da mesma forma que os sonhos alcançados na vida presente não terão nem comparação com os sonhos de Deus realizado em nós, aqui nesta terra, mas também no céu! Tenhamos confiança Nele: façamos nossa parte e esperemos por Seu tempo! Que nossos sonhos e (mais ainda) os sonhos de Deus se realizem: amém!

9 de julho de 2013

O Espírito é quem age, é quem faz!



A passagem do Evangelho de São João, capítulo 3 sempre me intrigou. No versículo 8 Jesus explica para Nicodemos: "O vento sopra onde quer; ouves-lhe o ruído, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai. Assim acontece com aquele que nasceu do Espírito." 

Quando afirmamos que o Espírito é quem age e faz, lembro-me logo desse trecho belamente cantado na voz de Eugênio Jorge: "O vento sopra onde quer"... Também em 1 Cor 12, 6, São Paulo afirma que é Deus que, pelo Espírito, opera tudo em todos. 

Nessas duas passagens bíblicas podemos perceber que o Espírito é o protagonista nas ações, é Ele que sopra onde quer, é Ele que opera! Quando um batizado, servo de Deus abre seu coração e permite que o Senhor prevaleça nele com sua Vontade, Ele de fato age e faz. 


A título de exemplificação, poderíamos lançar um questionamento: quem corta? É o homem ou é a faca que ele usou? Poderíamos afirmar: é o homem, já que a faca sem ele nem se moveria. Por essa análise, a autoria da ação, o protagonismo da ação, não poderia ser transferido para o objeto inanimado. 

Poderíamos, então, fazer uma comparação: quando a pessoa age na unção e condução do Espírito, ela se torna uma espécie de objeto, uma ferramenta, ou, como gostamos de falar na RCC, um INSTRUMENTO nas mãos do Espírito. Assim, no caso, apesar de parecer que somos nós quem está fazendo e agindo, quem na verdade está é o Espírito. Como no exemplo citado, seríamos a faca, mas a mão que faz o corte é a mão do Espírito Santo. 

É claro que a ação sobrenatural não anula a nossa natureza. Na verdade não somos meras marionetes nas mãos de Deus. Nesse processo somos colaboradores da graça que age na natureza. Deus poderia fazer o que Ele quisesse sem nossa atuação? Claro que sim, visto que Ele é onipotente! Mas o mais interessante é que Ele sempre "quer precisar de nós"! Ele opta por realizar certas obras por meio de nós. De fato, Ele nos usa, ou poderíamos dizer, se utiliza da nossa colaboração, conforme o "beneplácito de sua Vontade"! Só porque Ele ama, só porque Ele quer! 

É Ele quem age, quem faz, quem movimenta, quem dá a vida, quem nos usa como melhor lhe aprouver, desde que lhe sejamos dóceis. Sabendo disso, o orgulho na obra de Deus não faz sentido. Nós somos apenas servos inúteis, fazemos apenas o que deveríamos fazer sob a condução do Espírito (Lc 17, 10).