30 de maio de 2011

Hino



Eis o dia de Deus verdadeiro,
no clarão de luz santa banhado.
Nele, o sangue do novo Cordeiro
apagou deste mundo o pecado.

Deu a fé novamente aos perdidos,
deu aos cegos de novo a visão.
Quem não há de perder todo o medo,
vendo o céu ser aberto ao ladrão?

Eis o fato que aos anjos assombra:
ver o Cristo na cruz como réu,
e o ladrão que com ele padece,
conquistar a coroa do céu. 

Admirável, profundo mistério:
lava a carne da carne a fraqueza
e, tirando os pecados do mundo,
restitui-lhe a antiga nobreza.

O que pode existir mais sublime
que o pecado à procura da graça?
Que da morte nascer vida nova
e um amor que aos temores desfaça? 

Ó Jesus, dos fiéis corações
sede eterna alegria pascal;
congregai os nascidos da graça
pelo vosso triunfo imortal. 

Glória a vós que vencestes a morte
e brilhais, como Pai, Sumo Bem,
no esplendor coruscante do Espírito
pelos séculos eternos. Amém. 

(Hino do Ofício das Leituras, Oitava da Páscoa)

29 de maio de 2011

Palestra para catequistas – A Revelação Divina e sua transmissão (A doutrina apresentada pela Dei Verbum) Parte 4


O Cânon do Novo Testamento
            Foi por meio da Tradição, com a assistência do Espírito Santo, que a Igreja pôde conhecer o cânon inteiro dos livros sagrados (c.f. DV 8). Só no Concílio de Trento (1545 – 1563) se estabeleceu a lista de 45 livros para o Antigo Testamento e 27 escritos para o Novo, como é conhecida a Bíblia hoje. De maneira geral, os livros bíblicos (dos dois Testamentos) podem ser classificados em 3 categorias: livros históricos, didáticos e proféticos. Os livros neotestamentários acompanham essa categorização, tendo, contudo a especificidade dos livros didáticos serem designados espistolares em sua constituição literária. Versam eles sobre os fatos que dizem respeito a Jesus Cristo, explicam sua doutrina, pregam a virtude salvadora de sua obra divina, são narrados os começos da Igreja e a sua admirável difusão, e é anunciada a sua consumação gloriosa (c.f. DV 20).
Os escritos epistolares, 21 no total, são cartas escritas por São Paulo e pelos outros apóstolos (ou discípulos destes) com o objetivo de dirigir, aconselhar e instruir as primeiras comunidades cristãs recém-formadas. O único livro profético é o Apocalipse, atribuído a João, que pode ser o Apóstolo do senhor ou um discípulo dele. Os livros históricos, que constituem 60% de todo o NT, são os 4 evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João) e o livro dos Atos dos Apóstolos. Destes todos, os Evangelhos, cuja historicidade é defendida sem hesitação pela Igreja, tem a primazia por seu caráter de testemunho principal da vida e doutrina de Jesus (c.f. DV 18 e 19). De suas narrativas, 3 momentos se destacam, como veremos a seguir.

Os três momentos através dos quais chegaram até nós o conjunto de ensinos e a vida de Jesus   
É fato que os escritos do NT não chegaram à forma que dispomos hoje de maneira linear e cronológica, conforme um relato jornalístico moderno, como se os hagiógrafos estivessem a registrar os acontecimentos in loco, tão logo iam ocorrendo. Os textos passaram por um processo de redação com várias revisões, sendo adaptados aos destinatários aos quais eram dirigidos, sem que isso represente impacto algum na fidelidade aos acontecimentos ou mesmo ao sentido das palavras e expressões usadas por Jesus. Três momentos se sucederam:
°1º momento: composto pelo querigma (pregação oral feita pelos Apóstolos que evidenciava uma apresentação sintética e esquemática da vida e atividade de Jesus) e pela didaquê (instrução mais completa, com maiores detalhes da vida e dos ensinamentos de Jesus, dada aos que já estavam inseridos em alguma comunidade);
°2º momento: certa padronização dos relatos, inicialmente nos relacionados à Paixão (observável no paralelismo presente nos 4 Evangelhos) e em seguida em outros relatos mais curtos (milagres, parábolas, etc.), ainda que não se verifique uma ordem definida;
°3º momento: enfim, os registros evangélicos. Quando as testemunhas oculares começavam a desaparecer ou ficar distantes, tornou-se indispensável um maior cuidado com os relatos históricos disponíveis. Selecionando-os da própria memória ou do testemunho dos que vivenciaram as situações, os hagiógrafos organizaram-nos em ordem (ou mais ou menos cronológica, ou temática, por exemplo) e estes foram progredindo de estratos avulsos até as formas canônicas que conhecemos hoje.

Palestra para catequistas – A Revelação Divina e sua transmissão (A doutrina apresentada pela Dei Verbum) Parte 3


Inspiração e Interpretação dos dados revelados
            Mesmo sabendo que a Revelação não se restringe à Bíblia, não há como negar que esta é um meio privilegiado de conexão com Deus e seus mistérios, e que possui uma autoridade especial na transmissão dos conceitos de fé e normas de conduta para as práticas cristãs. Mais do que isso, nas Sagradas Escrituras se pode constatar a “condescendência” de Deus pelo gênero humano. Da mesma forma que Ele foi capaz de tomar a carne da fraqueza humana para se aproximar do homem na Encarnação de Seu Verbo, se dignou a falar conosco do nosso jeito, em línguas humanas, através dos textos bíblicos (c.f. DV 13).
Tendo seu autor principal no próprio Deus, seus co-autores, os hagiógrafos, foram homens por Ele mesmo escolhidos e inspirados, por meio de Seu Espírito Divino. Embora não se trate de um ditado (ou seja, Deus se serviu desses homens na posse das suas faculdades e capacidades), somente foi posto por escrito tudo e só aquilo que foi desejado por Ele (c.f. DV 11).
É assim que se faz estritamente necessário que, quando da interpretação dos textos sagrados, seja observado o que o autor sagrado quis comunicar com aquelas palavras, de que gênero literário se utilizou, com que espírito escreveu aquele texto, para que seja possível discernir o exato conteúdo da verdade revelada e, posteriormente, relacioná-lo com a interpretação teológica (papel exercido de maneira especial pelo exegetas, os estudiosos da Bíblia, e pelo Magistério da Igreja, c.f. DV 12). 

Conteúdo, Relação e Unidade entre o Antigo e o Novo Testamento
            São Paulo afirma que tudo quanto está escrito, para nossa instrução está escrito, para que, por meio da paciência e consolação que nos vem da Escritura, tenhamos esperança” (c.f. Rm 15,4). No mesmo sentido, o Catecismo da Igreja Católica (§102) recorda que “através de todas as palavras da Sagrada Escritura, Deus pronuncia uma só Palavra, seu Verbo único, no qual se expressa por inteiro”. Corroborando com essas premissas, Santo Agostinho ensinava que o Novo Testamento já estava latente no Antigo e que este está patente no Novo, de modo que ambos formam uma unidade vivamente relacionada (c.f. DV 16).  O que se achava ‘velado’ no Antigo, constituindo promessa de Deus para o homem, encontra-se plenamente “revelado” no Novo, e neste se concretiza o cumprimento dessas antigas promessas.
Assim, o Primeiro Testamento já manifesta o conhecimento de Deus e do homem (mesmo quando apresentam coisas imperfeitas e transitórias), deixando transparecer a pedagogia divina em sua relação com o povo eleito. Ele merece ser considerado por seu valor (perene, pois a palavra de Deus permanece para sempre, c.f. Is 40, 8) e significado (com conteúdo sempre válido, na medida em que expressa, através de suas palavras, da cultura da época, dos modos de expressão então em voga (cf. DV 12), o mesmo mistério de Deus e o plano de Deus para a humanidade, posteriormente levado à plena clareza e realização em Cristo) [3].
E o Segundo Testamento nos apresenta o mesmo e único Deus Vivo do Primeiro, agora encarnado na pessoa de Jesus. Ele é a ‘epifania’ deste Deus em suas palavras e obras, e esse mistério se revelou a nós pela pregação dos Apóstolos e profetas por meio da ação do Espírito Santo, que teve como evento culminante a congregação da Igreja, a redação do Novo Testamento e a consignação do cânon bíblico.

Palestra para catequistas – A Revelação Divina e sua transmissão (A doutrina apresentada pela Dei Verbum) Parte 2


A Transmissão do Revelado (Tradição, Escritura e Magistério)
            Àqueles expectadores que estiveram pessoalmente com a “Voz” encarnada (ou o Verbo, como denomina São João no prólogo de seu Evangelho) na história foram os seus escolhidos, os Apóstolos. A eles Jesus deu uma ordem clara para que transmitissem às gerações futuras toda a experiência que tiveram juntos, os episódios que vivenciaram e também toda a doutrina que aprenderam Dele (c.f. Mt 28, 19s e Mc 16, 15). Isso foi realizado com fidelidade por estes e por seus sucessores (c.f. DV 7), tanto de maneira oral como de maneira escrita. Esta primeira constitui a Tradição e a segunda está consignada nas Sagradas Escrituras, e ambas são ainda hoje “ensinadas” de maneira toda especial, segura e autorizada pelo próprio Cristo por esses sucessores, por meio da Igreja que Ele mesmo fundou, na instituição do Magistério (c.f. Mt 16, 16-19; Lc 10, 16; Jo 15, 20ss).
            Sabemos que para os irmãos protestantes impera a doutrina de Lutero, Sola Scriptura, mas, como já vimos, a própria Escritura testemunha que a Revelação não se restringe à Bíblia, e a Igreja segue este ensinamento de modo que o catolicismo não é a religião do "Livro". Para nós a Revelação não é um livro, mas antes de tudo uma Pessoa: Jesus Cristo. Sabemos também que Lutero pregava a livre interpretação dos textos sagrados. Para os católicos permanece o que nos dita II Pd 1, 20, que afirma que a interpretação não deve ser pessoal. É assim que se fundamenta que a nossa fé nos vem da Palavra de Deus, que não se restringe à palavra escrita, mas também à oral e, na verdade,  uma não vive sem a outra, a não ser sob o perigo de se desviar. Sem a Escritura, a Tradição corre o risco de se diluir em “tradições”; sem a Tradição, a Escritura torna-se documento histórico e literário, sem a capacidade de tocar realmente a fé e a vida do fiel dentro do seu ambiente natural.”[2] Ao católico se exige a aceitação e veneração tanto de uma como da outra com igual sentimento de piedade e reverência (c.f. DV 9), pois constituem real depósito da fé, e que se considere, além destas, a autoridade do Sagrado Magistério da Igreja (exercido em nome de Jesus Cristo a serviço da Palavra de Deus), o qual expõe a Revelação com fidelidade, contando com a assistência do Espírito Santo (c.f. DV 10).

Palestra para catequistas – A Revelação Divina e sua transmissão (A doutrina apresentada pela Dei Verbum) Parte 1


O Revelador e o Conteúdo Revelado
São Paulo afirma em sua carta aos Efésios que Deus desejou se revelar ao ser humano, e também quis dar a conhecer o mistério de sua vontade (c.f. Ef 1,9). Já no Antigo Testamento, desde a criação, mas ao longo da história da salvação (com os patriarcas, Moisés e os 10 mandamentos, os profetas), Deus foi se apresentando ao homem gradativamente, como uma sementinha lançada à terra, inicialmente em estado germinal e que foi se desenvolvendo até que, na plenitude dos tempos, se tornou uma frondosa árvore. Isso se deu com a Encarnação de Jesus (c.f. DV 3 e 14).
Realmente, antes de Jesus, a ligação que se tinha com Deus era restrita, limitada, de certa forma nebulosa. São João mesmo afirma que “a Deus nunca ninguém viu, foi o Filho que no-lo deu a conhecer” (c.f. Jo 1, 18). Com a Encarnação do Verbo na história, com suas palavras e obras, Deus se manifestou de maneira única e máxima para o homem. Jesus veio mostrar o rosto de Deus à humanidade, em suas próprias palavras, quem o vê, vê o Pai (c.f. Jo 14, 9). Ele é o revelador do Pai e, ao mesmo tempo, o conteúdo da Revelação, já que Ele e o Pai são um só (c.f. Jo 10, 30).
Para entender essa realidade (na qual Jesus é simultaneamente o revelador e o conteúdo revelado), basta imaginar a seguinte cena: pessoas num auditório e à frente, um palco com as cortinas se encontram fechadas, impossibilitando que se veja o que está naquele local. Vários “apresentadores” aparecem como porta-vozes, falando de variadas formas sobre o que e sobre quem se encontra atrás das cortinas. Já vão dando algumas dicas do que esteja lá, daquela pessoa que ainda não é possível ver, tudo ainda de maneira limitada.
De repente uma voz diferente é ouvida, anunciando um discurso do mais alto interesse, cujo assunto se refere justamente àquilo que está atrás das cortinas e que não é possível ver, já antes mencionado pelos apresentadores de forma parcial e preliminar. Em seguida, as cortinas são abertas, possibilitando para os expectadores, além de ouvir, também ver “o dono da voz” que anunciava àquelas palavras e que, mais que simplesmente falar em nome de outro ou de coisas exteriores a Si, na verdade materializa tudo aquilo que estava sendo proclamado apenas de forma audível, mas agora também de maneira visível e viva. Ultrapassando a simples visão, este “dono da voz” desce do palco e vem até o auditório, estabelecendo de maneira única um contato com os expectadores, realizando um encontro, iniciando uma relação pessoal. Assim Deus deu-nos acesso a Ele mesmo e aos seus mistérios de maneira plena, por meio de Jesus Cristo.
Para ilustrar que Cristo é, então, o sujeito e o objeto da Revelação [1], vê-se:

SUJEITO
OBJETO
·         Aquele que realiza a ação de revelar
·         O Próprio conteúdo da Revelação
·         O Deus que revela
·         O Deus que é revelado
·         O que revela as verdades divinas
·         A própria Verdade Encarnada
·         O Mediador da revelação
·         A Plenitude da Revelação