Ser
dócil é, humanamente, ser uma pessoa fácil de guiar, obediente, submissa. Na
esfera da espiritualidade cristão, católica e carismática é, em primeiro lugar,
ter uma relação verdadeira com o Espírito de Deus que habita no peito de cada
batizado, ter uma amizade com Ele. Nessa intimidade, percebo Sua presença, ouço
a Sua voz e identifico suas inspirações, moções e conduções para mim, seja no
ministeriado seja na minha vida particular e como resposta de amor, de
consideração pelo que Ele está me mostrando, me dizendo, eu “vou na Dele”:
falo, faço, ajo conforme Ele está me revelando.
A
docilidade deve ser vivida na perspectiva da adesão pela fé, pelo amor. Por que
eu creio, eu atendo aos apelos do Espírito; por que eu amo, eu retribuo o amor
que recebo Dele lhe obedecendo. Não obedecemos por medo, por obrigação, pois
como diz São João “no amor não há temor” (1 Jo 4, 18), mas por que cremos e
amamos, é uma resposta de fé e amor, consciente, exercida na liberdade.
Jesus
era muito dócil ao Espírito Santo. Sua concepção foi obra do Espírito Santo que
desceu sobre Maria e a cobriu com Sua sombra (Lc 1, 35). No seu Batismo pelo
primo João, o Espírito pousa sobre Ele e o conduz ao deserto, para prepara-lo
para a missão e Ele, dócil, vai. Era conduzido pelo Espírito em obras,
palavras, no seu louvor, em suas formações, por onde andava, como fazias as
coisas.
É
preciso compreender que Jesus fazia tudo não por sua onipotência divina, posto
que Filipenses 2, 6 deixa claro que Ele, embora fosse de condição divina, não
tinha prevalecido de sua igualdade com Deus, mas pelo poder do Espírito Santo,
sendo dócil a Ele e sendo usado por Ele. Era pela prática dos carismas em Seu
ministério que realizava todas aquelas maravilhas. Ele usava dos carismas em
sua condição humana (curas, milagres, exorcismos, multiplicações de pães e
peixes, revelações, profecias), TUDO como ser humano revestido do Espírito
Santo, sem deixar de ser Deus (sendo 100% homem e 100% Deus). Tudo isso para
nos ensinar a sermos verdadeiros filhos de Deus, humanos, mas revestidos de poder
e graça espirituais, sendo dóceis ao Espírito Santo. É promessa Dele: “Aquele
que crê em mim fará também as obras que eu faço, e fará ainda maiores do que
estas”, por que é pelo mesmo Espírito Santo que revestia Jesus que isso
acontece. Basta que sejamos dóceis e acreditemos, invoquemos o nome de Jesus e
esperemos Nele.
Maria
também foi dócil ao Espírito Santo! Na anunciação acreditou e se abriu a ação
do Espírito em sua própria carne; por ser dócil foi até a prima Isabel sendo “transmissora”
do Espírito Santo que abundava sem seu seio; sendo dócil e atenta às moções do
Espírito para si mesma, para o Filho Jesus, seus próximos a quem sempre servia,
agiu na unção nas Bodas de Caná; sendo dócil ao Espírito, guardava o que não entendia
meditando em seu coração; aos pés da Cruz não se revoltou, mas sendo dócil ao
Espírito Santo, se fez presente no martírio do Seu Filho dignamente; por fim,
em Pentecostes, presidia o Cenáculo com os apóstolos.
Lendo
os Atos dos Apóstolos percebemos o quanto os apóstolos e discípulos eram também
dóceis e obedientes ao Espírito Santo e as obras maravilhosas advindas dessa
postura deles! Pedro em seu discurso pós Pentecostes (Atos 2, 14-35) e em casa
do pagão Cornélio (Atos 10); o 1º concílio de Jerusalém, no qual, embora
discordando e debatendo, primaram pela unidade e ao que “parecia bem ao
Espírito Santo (Atos 15, 28); Filipe de deixando conduzir na ocasião do Eunuco
(Atos 8, 26ss) e muitas outras ocasiões.
De
todas, destaco a docilidade heroica de Paulo que passou do extremo de
perseguidor dos cristãos a perseguido por causa de Cristo. Desde a queda no
caminho de Damasco, Paulo soube ser dócil ao Espírito Santo, defendia as moções
colocadas em seu coração até diante de Pedro, só ia onde o Espírito indicava,
muitas vezes com prejuízo das hostilidades, pedradas, açoites, prisões. Pregava,
agia, curava, ressuscitava, escrevia, tudo sob a submissão completa da condução
do Espírito Santo.
E na
história da Igreja, quantos santos podemos ver também sendo dóceis ao Espírito
Santo! Os primeiros mártires, os Padres, os grandes teólogos... São João Bosco
e seus sonhos proféticos, os trabalhos com jovens infratores e a congregação;
São Pio e o grande hospital Casa de Alívio do Sofrimento; São Francisco e a sua
Ordem que, de fato, reconstruiu a Igreja; Santo Inácio de Loyola que com os
jesuítas evangelizaram o Oriente e as Américas... São tantos exemplos que com
certeza não poderia esgotá-los nesse texto... Recentemente pudemos ver nosso
amado São João Paulo II sendo dócil ao Espírito em palavras, escritos, obras,
gestos em seu pontificado até a morte e igualmente pudemos vislumbrar a
docilidade ao Espírito na renúncia de Bento XVI.
E
nós? Bom, de maneira muito concreta, ser dócil para alguém que se disponha a
ser discípulo e missionário, ser ministro, evangelizador, ser dócil é antes de
mais nada parar para estar com Ele, silenciar para ouvi-Lo, orar para discernir
suas mensagens e por fim, renunciar às nossas opiniões e vontades para
privilegiar o que colhemos da presença santa do Senhor a exemplo do próprio
Jesus, Maria, os apóstolos e santos, mesmo em prejuízo próprio. Para ser dócil,
na prática, é preciso se submeter ao Espírito e ser fiel até o fim.
Obviamente
é preciso estar em estado de graça (sem pecados graves) e consequentemente em
dia com a Confissão, com os sacramentos, a vida de oração, afinado com a
prática dos carismas, estar habituado a renunciar a si mesmo e exercer a
humildade. Entender que vale muito mais o que o Senhor acha do que nós achamos,
que melhor é a vontade do Senhor que a nossa, que podemos confiar nas
inspirações Dele (mesmo que não estejamos entendo no momento)... É um grande
desafio, mas o Espírito vem em auxílio às nossas fraquezas (Rm 8, 26).
Experimentei
já algumas vezes o ser dócil ao Espírito Santo e afirmo que antes de tudo é um
exercício de confiança. Ninguém se submete livremente se não confiar. Ninguém
confia se não amar. Algumas vezes já troquei o tema da pregação por sentir uma
condução diferente, já pedi música diferente da que estava programada para a
condução da oração, já calei, já falei, já defendi uma moção que me ardia no
peito, fui orar por quem nem tinha pedido minha intercessão, já abracei, já
telefonei, mandei mensagem, larguei meu emprego, terminei um namoro (quase
noivado), mudei de país, preguei no Mc Donald’s, defendi mendigo em porta de
Igreja, cantei música católica no consultório médico, levei um irmão embriagado
da rua para sua casa, preguei pra professor que me dava carona, levei amigo gay
para conversar com um bispo, deu livros católicos para irmãos separados... tudo
na tentativa de ser dócil ao que o Espírito Santo estava me inspirando. Mesmo
insegura, precisei ser dócil, precisei confiar e agir conforme os impulsos do
Espírito.
Também
já aconteceu de não ser dócil e amargar as consequências. Conto apenas uma: uma
vez em oração o Senhor me pedia para ligar para um amigo querido e avisar-lhe
que Satanás estava armando uma emboscada para ele, que ficasse atento e resistisse.
Não tive coragem, tive aquele respeito humano que aprisiona e cristaliza a obra
de Deus. Resultado: depois de um tempo sumido, ele veio me contar que naquela
mesma noite em que o Senhor mandou que eu falasse e eu me calei, ele tinha tido
uma queda feia, cometido um pecado gravíssimo, e que de fato, tinha caído numa
cilada diabólica. Ficou deprimido e entrou numa grande noite escura em sua vida
de fé. Lamentei muito minha covardia e insubmissão e pedi perdão a Deus e ao
meu amigo.
Inegavelmente
é indispensável o carisma do discernimento dos espíritos para ser dócil ao
Verdadeiro Espírito, o Espírito de Deus. Mas recebendo esse carisma, é preciso
ter coragem de ser fiel. O Espírito nos dá força! Ele nos conduz! Confiemos
Nele! Sejamos dóceis...
Nenhum comentário:
Postar um comentário