2 de setembro de 2015

Dar as razões da fé


A filosofia nos explica que o homem é um ser racional e também um ser religioso. O homem é um ser complexo e inquestionavelmente superior a qualquer outro ser deste planeta pois é o único que o pode transformar o ambiente por meio do seu trabalho, o único que pode transcender essa realidade e questionar o que está por trás de tudo isso, o que há acima dessa existência, qual sua origem, qual o seu fim. Olhando para si mesmo ou para a natureza, desde a Antiguidade, o homem busca respostas.
O ser humano não se contenta com a ignorância, com o desconhecimento, com a passividade. Através de sua razão foi capaz de sair das “cavernas” e organizar cidades, conhecer sua biologia (e a de outros inúmeros seres), descobrir os segredos do planeta e do universo, entrar na intangível psique, inventar tecnologias cada vez mais surpreendentes. E ainda assim, tudo isso para muitos homens não é o suficiente. Como diz o antigo rock nacional “a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”... e mais. O homem não quer só o natural, sua alma deseja o sobrenatural.
A experiência religiosa vem preencher essa necessidade de auto-transcendência. A Revelação Divina vem em auxílio do homem que busca algo além dele mesmo e das realidades temporais, é um diálogo de amor. A Encarnação do Verbo é o extremo dessa comunicação divino-humana. Pela fé o homem encontra muitas respostas que sua razão não pode alcançar sozinha e, mais do que respostas, encontra um sentido mais profundo da realidade e da existência.
Obviamente o homem, como ser racional, não iria se eximir de raciocinar sobre nada, inclusive sobre o que crê. Faz parte do ser do homem racionalizar, ele tem necessidade de buscar compreender tudo o que o cerca, e isso não excluiria sua fé. Historicamente, a cultura humana vem elevando a razão ao cume do pensamento civilizatório. A religião, mais especificamente a cristã, acompanha esse movimento e pela teologia busca dar um tratamento científico e racional do que se crê, sem que para isso a fé como graça divina seja excluída na experiência religiosa e científica.
Tanto interna quanto externamente se faz necessário ao homem participante da Igreja racionalizar sua fé. Para os fiéis, a compreensão dos artigos da fé aumentam ainda mais essa fé. À medida que se compreende a adesão é mais consciente e a vivência é mais coerente, já que não se trata de uma obediência cega ao que os líderes religiosos orientam, sem reflexão, mas de um entendimento que quando é assimilado intelectualmente aquece o coração e movimenta para a ação, como no episódio dos discípulos de Emaús (Lc 2, 13-33). A falta de conhecimento, pelo contrário, leva ao afastamento do povo, conforme Oséias 4, 6: “Meu povo se perde por falta de conhecimento”.
Para os que não creem, um tratamento racional da fé da parte dos que creem é também necessário. São Paulo em Efésios 4, 18 afirma sobre os pagãos: “Têm o entendimento obscurecido. Sua ignorância e o endurecimento de seu coração mantêm-nos afastados da vida de Deus”. O Catecismo da Igreja Católica evidencia esse ponto em seu parágrafo 39: “Ao defender a capacidade da razão humana para conhecer Deus, a Igreja exprime a sua confiança na possibilidade de falar de Deus a todos os homens e com todos os homens. Esta convicção está na base do seu diálogo com as outras religiões, com a filosofia e as ciências, e também com os descrentes e os ateus.” São Pedro em sua 1ª Carta nos exorta a estarmos sempre prontos a responder a todo aquele que nos pedir a razão de nossa fé (1 Ped 3, 15).
Num nível pessoal de relacionamento místico com Deus, é preciso buscá-lo de todo coração, com toda a alma, com todas as forças (Dt 6, 5), o que obviamente inclui buscá-lo pela razão, pelo estudo, pela reflexão. Amá-lo de “todo pensamento” excede todos os holocaustos e sacrifícios (Mc 12, 33). Tudo obviamente embasado na fé: “Não que sejamos capazes por nós mesmos de ter algum pensamento, como de nós mesmos. Nossa capacidade vem de Deus. (2 Cor 3, 5). Pois “sabemos que o Filho de Deus veio e nos deu entendimento para conhecermos o Verdadeiro (1 Jo 5, 20).

Assim sendo, não se deve ter vergonha ou temor da necessidade de compreensão do que se crê, pelo contrário, assumindo a natureza humana racional busque-se o entendimento, a assimilação, o aprofundamento sobre a fé para se alcançar uma cada vez maior convicção, um assentimento cada vez mais comprometido, uma interlocução cada vez mais embasada com os que não creem.